Idosa que era cuidada
por presos morre aos 102 anos em Porto Alegre
Maria Ribeiro da Silva Tavares fundou, em 1942, o Patronato Lima Drummond, que abriga presidiários do regime semiaberto
Todos os dias da Dona Maria |
Dna. Maria foi velada no Casarão do Patronato Fundação Lima Drummond |
Velada no Casarão |
A calma de Maria com missão antecipou às conquistas da política carcerária |
Depois de meio século erguendo a bandeira de que nenhum preso é
irrecuperável, a assistente social Maria Ribeiro da Silva Tavares, 102, deu
adeus à família e a seus "anjos", como gostava de chamar os apenados
com os quais morava no Patronato Lima Drummond, entidade que fundou em 1942.
Ela morreu por volta das 15h deste domingo, de insuficiência respiratória.
Estava há uma semana internada no Hospital Ernesto Dornelles.
Em 1999, quando o Patronato foi citado num relatório da Anistia Internacional sobre a violação dos direitos humanos contra detentos no Brasil, dona Maria, nascida em 17 de novembro de 1912 em uma família de fazendeiros, em Pelotas, disse a Zero Hora:
— Quando me perguntavam como conseguia chamar um criminoso de anjo, respondia que existem anjos de todos os jeitos. Tenho mais de 50 anos de vida dentro de cadeias e jamais fui constrangida e desrespeitada. Porque soube respeitar. Não há criatura irrecuperável, mas sim, método inadequado.
Leia todas as últimas notícias de Zero Hora
A relação dela com os presos era baseada na confiança. Na antiga Casa de Correção de Porto Alegre, formou o primeiro grupo de detentos que trabalhava fora da prisão _ chegou a ter 250 sob sua tutela. Durante a transição para o Presídio Central, na década de 1960, era a única autorizada a entrar nas cadeias para controlar motins e mediar rebeliões.
No Patronato, erguido na avenida Teresópolis, na Capital, parte com a herança de viúva, parte com dinheiro angariado pelos próprios detentos da Casa de Correção, o índice de fuga é baixo: cerca de uma por mês, embora não exista nada que os impeça de sair (celas, por exemplo). Outra palavra que não fazia parte do dicionário de dona Maria é superlotação. Para manter a ordem e o tratamento individualizado que dispensava aos "anjos", a entidade — que hoje funciona em parceria com o Estado — abriga, no máximo, 76 pessoas.
— Ela era uma pessoa muito intensa e que acreditava muito nos presos. Investia neles e tinha autoridade, sem perder o carinho. O amor que tinha pelo que fazia resume sua personalidade — conta o filho de dona Maria e conselheiro do Patronato, Carlos Eduardo Aguirre da Silva.
O juiz Sidinei Brzuska, da Vara de Execuções Criminais, definiu a idosa como uma mulher que se antecipou às conquistas humanitárias da política carcerária.
— Ela defendia prisões sem grades e a adaptação dos presos depois de sair da prisão — lembra ele, que esteve na festa de aniversário de 100 anos de dona Maria.
Os detentos trabalham no próprio Patronato ou em órgãos estaduais. Os que saem para o serviço, ao chegarem, apertam a mão do plantonista. Entre as atividades de rotina, ver televisão com dona Maria e alcançar a ela o leite do café da manhã.
— Tive um preso aqui que era terrível. Tinha cometido vários crimes. Quando ele chegou, disse que ele seria meu motorista. Vi o espanto no rosto dele. Anos depois, ele me contou que, ao chegar aqui, já tinha organizado uma quadrilha para assaltar bancos. E foi minha aposta nele que o fez mudar de ideia. Quando saiu em condicional, ele foi ser caseiro numa chácara minha. Foi o melhor caseiro que já tive — relatou ela, também em entrevista a ZH, aos 87 anos.
Quem também mudou de ideia sobre o sistema carcerário foi Luiz Carlos Butier, que, preso em 2006, ficou 165 dias no Patronato. Antes de ser condenado por injúria, calúnia e difamação, era a favor da pena de morte. Depois de conviver com dona Maria, inverteu seu posicionamento sobre a questão.
— Ela sempre tinha uma palavra de carinho. Era uma pessoa muito especial e inteligente. Quando eu chegava do trabalho, no início da noite, tinha duas opções: ou ver novela ou ficar conversando com a vó. Eu preferia conversar com a vó — relembra ele, que, inspirado por ela, criou a ONG Fui Preso, que presta assessoria jurídica aos apenados, lutando pela reinserção social.
O corpo de dona Maria será velado no Patronato a partir do início da noite deste domingo. O enterro, ainda sem horário definido, deve acontecer pela manhã no cemitério Jardim da Paz, em Porto Alegre.
Em 1999, quando o Patronato foi citado num relatório da Anistia Internacional sobre a violação dos direitos humanos contra detentos no Brasil, dona Maria, nascida em 17 de novembro de 1912 em uma família de fazendeiros, em Pelotas, disse a Zero Hora:
— Quando me perguntavam como conseguia chamar um criminoso de anjo, respondia que existem anjos de todos os jeitos. Tenho mais de 50 anos de vida dentro de cadeias e jamais fui constrangida e desrespeitada. Porque soube respeitar. Não há criatura irrecuperável, mas sim, método inadequado.
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A relação dela com os presos era baseada na confiança. Na antiga Casa de Correção de Porto Alegre, formou o primeiro grupo de detentos que trabalhava fora da prisão _ chegou a ter 250 sob sua tutela. Durante a transição para o Presídio Central, na década de 1960, era a única autorizada a entrar nas cadeias para controlar motins e mediar rebeliões.
No Patronato, erguido na avenida Teresópolis, na Capital, parte com a herança de viúva, parte com dinheiro angariado pelos próprios detentos da Casa de Correção, o índice de fuga é baixo: cerca de uma por mês, embora não exista nada que os impeça de sair (celas, por exemplo). Outra palavra que não fazia parte do dicionário de dona Maria é superlotação. Para manter a ordem e o tratamento individualizado que dispensava aos "anjos", a entidade — que hoje funciona em parceria com o Estado — abriga, no máximo, 76 pessoas.
— Ela era uma pessoa muito intensa e que acreditava muito nos presos. Investia neles e tinha autoridade, sem perder o carinho. O amor que tinha pelo que fazia resume sua personalidade — conta o filho de dona Maria e conselheiro do Patronato, Carlos Eduardo Aguirre da Silva.
O juiz Sidinei Brzuska, da Vara de Execuções Criminais, definiu a idosa como uma mulher que se antecipou às conquistas humanitárias da política carcerária.
— Ela defendia prisões sem grades e a adaptação dos presos depois de sair da prisão — lembra ele, que esteve na festa de aniversário de 100 anos de dona Maria.
Os detentos trabalham no próprio Patronato ou em órgãos estaduais. Os que saem para o serviço, ao chegarem, apertam a mão do plantonista. Entre as atividades de rotina, ver televisão com dona Maria e alcançar a ela o leite do café da manhã.
— Tive um preso aqui que era terrível. Tinha cometido vários crimes. Quando ele chegou, disse que ele seria meu motorista. Vi o espanto no rosto dele. Anos depois, ele me contou que, ao chegar aqui, já tinha organizado uma quadrilha para assaltar bancos. E foi minha aposta nele que o fez mudar de ideia. Quando saiu em condicional, ele foi ser caseiro numa chácara minha. Foi o melhor caseiro que já tive — relatou ela, também em entrevista a ZH, aos 87 anos.
Quem também mudou de ideia sobre o sistema carcerário foi Luiz Carlos Butier, que, preso em 2006, ficou 165 dias no Patronato. Antes de ser condenado por injúria, calúnia e difamação, era a favor da pena de morte. Depois de conviver com dona Maria, inverteu seu posicionamento sobre a questão.
— Ela sempre tinha uma palavra de carinho. Era uma pessoa muito especial e inteligente. Quando eu chegava do trabalho, no início da noite, tinha duas opções: ou ver novela ou ficar conversando com a vó. Eu preferia conversar com a vó — relembra ele, que, inspirado por ela, criou a ONG Fui Preso, que presta assessoria jurídica aos apenados, lutando pela reinserção social.
O corpo de dona Maria será velado no Patronato a partir do início da noite deste domingo. O enterro, ainda sem horário definido, deve acontecer pela manhã no cemitério Jardim da Paz, em Porto Alegre.
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